Saudações aos viajantes, aqui quem fala é o argonauta do século XXI. Ao contrário dos meus companheiros gregos eu não sou um desbravador de oceanos ainda. Nesse blog eu vou navegar no espaço virtual e trazer os assuntos mais interessantes que encontrar; junto com essas "especiarias" vamos discutir temas da atualidade e ainda vou deixar um lugarzinho para publicar meus textos literários. Espero que curtam e visitem sempre.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Por um fio (micro-conto)


A mulher recostou o corpo no colchão macio cheirando a charuto. Ao olhar para cima pensou em como seria a vida de casada. O que ela acharia de deixar sua vida atual de sexo todas as noites e apenas por uma noite? Pensou em filhos, seria bom ter filhos. Daria uma boa mãe, pelo menos era o que pensava. A mulher mergulhou tão profundamente nessa fantasia de matrimônio e vida estável que quase se arrependeu do orgasmo que estava sentindo naquele momento, quase...

Bodas (crônica)


Num dia chuvoso qualquer do verão carioca, dois amigos conversavam no ônibus ao passar pela avenida atlântica. Lucas me contava da sua vida e de como havia adquirido uma letargia precoce na minha interpretação do que ele me contava. Ele dizia que recentemente havia notado algo que o estava incomodando, parecia que as coisas tinham perdido a graça; nada mais era como antes, no dia era aniversário dele e ele dizia que não sentia a excitação de outrora e não só em relação a isso, mas em relação a tudo. Encontrar-se com os amigos para um bom papo não causava aquelas lembranças das risadas mais, sair na noite para curtir as pessoas, dançar, beber e se divertir deixara de ser catártico. Ao me contar isso ele me questionava sobre o que poderia ser ou significar essa mudança, eu tinha uma suspeita que não comentei com ele na hora, mas que, creio, estava correta.

As pessoas sempre dizem que a rotina é o que acaba com o casamento. Mas quando não se trata de casamentos o que a rotina pode causar? Perguntando as pessoas sobre isso ouvi que a rotina pode ser entediante as vezes mas ela mantém nossa sanidade. Será verdade que o veneno do matrimônio pode ser o remédio da lucidez? No caso do meu amigo, após pensar sobre o assunto, eu cheguei a conclusão de que ele "casara-se" com a sua vida. Para muitos de nós sair para curtição sem limites, festejar ao máximo com amigos e abusar no consumo do etanol é algo pouco comum, são eventos reservados a dias que ficarão na memória por um bom tempo. Mas para Lucas nunca foi assim (desde que eu o conheço) porque sua vida é intensa e ferve de animação. Essa é a sua rotina.

Nós costumamos associar a rotina a um modo de vida monótono e repetitivo. No entanto quando a rotina consiste em muitas festas, diversão e amigos ela ainda pode levar a mesma conotoção? No caso de não poder o que ela é? Quando refleti sobre a sensação de perda do sabor de tudo do Lucas pensei no que havia mudado na vida dele para que ele mudasse sua visão e, principalmente, no que não havia mudado. Ao afirmar que ele levou sua vida para o altar quero dizer que ele chegou aquele estágio do casamento onde a velha chama não é mais tão forte, sua luz não cega e seu calor é imperceptível. Acabou a luxúria da lua-de-mel e já se prepara o aniversário de bodas entre desejos de renovação e receios de mudança.

Na vida a dois há uma cura para a rotina, quando um se vê fatigado do outro basta assinar papéis e esquecer os votos. Mas para nós solteiros parece não haver salvação, quando nos encontramos cansados de nossa própria rotina o que fazer? Não podemos nos divorciar de nós mesmos. Ou podemos? quanto mais eu procurava mais eu me aproximava dessa solução, mas como fazê-lo? Para alguns apenas um corte de cabelo serve para sentir-se transformado, mas existem outros que necessitam de algo mais radical, mais simbólico. O que será necessário para que esses recuperem o frescor dos fatos? Talvez uma viagem para um lugar onde fosse possível mergulhar dentro de si ou quem sabe uma novidade arrebatadora na vida estável.

A rotina de fato muda a vida da gente, as vezes para melhor porque ela se torna exatamente o que precisamos e as vezes para pior porque ela transforma cada dia numa retrospectiva do anterior tediosa e maçante. Para mim a rotina é o ato de fazer a mesma coisa sempre independente do que seja. Para o Lucas a rotina pode ter prejudicado a sua maneira de ver o mundo ou o que está acontecendo agora com ele pode ser resultado apenas do amadurecimento, no fim das contas sempre há o divórcio ou uma segunda lua-de-mel.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

2000inove!


Sim, isso é um plágio assumido. Talvez eu esteja copiando aquela empresa que lançou essa campanha no início do ano ou talvez eu esteja copiando outra pessoa (provavelmente a segunda opção), mas como dizem por aí: "nada se cria, tudo se copia" (acho que essa frase é do chacrinha). O importante não é se é original ou não, mas sim a mensagem que passa. A primeira coisa que me chamou a atenção foi a criatividade óbvia dessa brincadeira com os sons, e depois eu pensei no significado dela. Inovar é uma coisa que todo o ano novo nós procuramos, mas pouquíssimas vezes conseguimos. Eu falo no sentido de inovação na vida, dá pra contar nos dedos quantas vezes sofremos uma mudança drástica (a não ser talvez pelos geminianos que vão dizer que mudam sempre) e normalmente esse tipo de transformação só acontece mesmo quando não há outra alternativa visível. A maioria de nós quer inovação, mas esse é um ano propício para consegui-la porque ele já chegou nos dizendo isso ( e eu vejo como essa a mensagem do anúncio). Nesse ano temos um estímulo a mais para alcançar tudo o que almejamos e exorcizar todos os encostos de nossas vidas. Inove, não importa o que você queira inovar, faça! Inovar é pegar algo clássico, uma coisa que sempre foi a mesma e transfigurar, tornar original, diferente e, principalmente, NOVO. Seria como colocar um batom borrado no rosto apático da monalisa somente para mudar a atitude daquela mulher, para que nós e ela mesma a vissemos com outros olhos. Uma atitude inovadora é necessária e faz muito bem de tempos em tempos. O que eu quero dizer com essa postagem é façam aquilo que tiverem vontade, mudem se necessário, mas não tenham medo se joguem na vida e não receiem errar ou se machucar. Como disse Bonny Castle "To a short life, but an excitede one"*, brindemos a isso.


*A uma vida curta, mas excitante"

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O gato (conto)

Esse é um dos meus primeiros textos e o que eu mais demorei a completar foram mais ou menos três anos entre a idéia e a última finalização, espero que gostem.



Ela inspirou profundamente a procura daquele cheiro, aquele aroma tão exótico, e ainda assim tão familiar, que exalava o corpo dele... Ao expirar recordou-se daqueles olhos... Felinos!? Quase alienígenas a esse mundo. Olhavam para ela, sempre de uma forma penetrante, todas as noites. Mas não mais, não em noites recentes. Ele havia fugido, fugido de seus braços, há muitas noites atrás.

Ela preferiu não pensar nisso. Tentou lembrar-se dos bons momentos; todos que passaram juntos. Recordou-se alegre do modo como ele via o mundo; sempre observador, atento e naturalmente curioso. Fechou os olhos, e ao fazer isso rememorou imediatamente de como ele dormia. Confortável em seu sono leve, com uma respiração controlada... Barriga para cima, barriga para baixo... Em sua fantasia, seguiu com o olhar o caminho que o ar percorria dos pulmões até suas narinas e admirou sua beleza animalesca, mas ao mesmo tempo nobre. Definitivamente ele não pertencia à espécie dela. Era um indivíduo à parte. Seguia sua própria conduta. Sua ideologia singular...

No início ela o havia domesticado. Ele estava totalmente sob controle, mas não mais agora. Ele aprendeu bastante; sobre o mundo e sobre si mesmo. Por isso fugiu. Estava pronto para conquistar as ruas lá fora, no mundo alucinante. Daria tudo para saber onde ele estava agora. Por que não atendia mais quando era chamado? Será que havia encontrado um lugar melhor para viver? A espécie dele é assim. Vive onde é melhor, mais fácil, só por interesse, não importa quem deixa para trás no caminho.

Sorriu... Só para lembrar do sorriso dele... E do talhe do seu rosto: olhos, orelhas, boca... Mergulhou mais fundo ainda em sua memória para procurar aquele andar jeitoso, calmo e elegante característico dele.

Por mais que tentasse, não poderia matar a saudade em seu pensamento. Precisava vê-lo, precisava dele aninhado em se colo, tinha que cuidar dele tratá-lo, com todo o carinho que uma dona daria ao seu bichano...

De sua fantasia, afundada na velha poltrona preta, foi despertada por algo. Algo lá fora, Fora de seu mundo. Pensou ter ouvido algo, do outro lado da porta... Batida? Seria ele? Finalmente achara o caminho de volta? Ou não? O único modo de descobrir era abrindo a porta. Levantou-se entusiasmada, aproximou-se da porta com o olhar esperançoso e, ao abrir a porta, a esperança transformou-se em decepção... Havia algo lá fora. Sim... Alguma coisa de olhar felino que ansiava pelo seu carinho, mas não era ele. Não era aquele que ela esperava. Quando olhou para fora percebeu que parado na soleira estava apenas... O gato...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O ovo (conto)


Hoje foi um dia estranho, estava cochilando a tarde em meu sofá surrado de solteiro e quando acordei havia posto um ovo. Sim, um ovo! Não sei como aconteceu e nem porquê, mas quero entender o significado disso tudo. Sei que pus o ovo, disso estou certo. Parece bizarro mas posso sentir que aquele ovo é parte de mim. Aquele ovo branco e do tamanho e formato muito semelhantes aos de uma galinha. Não, não há possibilidades de alguém ter pregado uma peça em mim. Não tenho contatos com família e nem mesmo amigos íntimos, além disso moro sozinho e a casa estava trancada, além disso algo me diz que realmente pus aquele ovo.
O acontecido é óbvio e imutável; o ovo está aqui e eu o coloquei nesse mundo. Agora, o que devo fazer com ele? Isso não está claro para mim. O que o ovo quer de mim? O que eu espero do ovo? Talvez devesse choca-lo (uma parte de mim diz isso). O simples instinto paterno leva-me a cuidar, proteger e nutrir esse ovo. Deixar que ele se desenvolva, fortaleça e cresça para um dia, quem sabe, rachar e revelar seu conteúdo. O que haverá dentro dele? Por enquanto só vejo mistério, não se meche, não emite sons. Se soubesse o que há dentro tomaria a atitude mais correta.
O que devo fazer com este ovo? Devo ignorá-lo, devo fingir que o fato não aconteceu? O mais sensato seria simplesmente virar a página deste capítulo insano no livro da minha vida? Não. Mesmo que desejasse isso com todas as forças não o conseguiria. O ovo foi posto; por mim. Não se pode relevar isso. Mas então o que fazer? Afinal por que coloquei um ovo? Galinhas botam ovos, não sou uma galinha. O que sou? Que tipo de evento cósmico ocorreu para que eu acordasse como um ser ovíparo?
Isso tudo é um sonho. Estou dentro de um quadro surrealista de Di Cavalcanti. Logo acordarei, assim que esse ovo parar de me encarar. Não vai demorar muito; tão rápido quanto um piscar de olhos. Logo... Não acordo, continuo em meu sofá velho e o ovo ainda está ao meu lado e ao mesmo tempo em mim, como se fôssemos um só.
A única coisa que sei é que sou o gerador daquele ovo. Viverei com o fantasma desse episódio para sempre: o dia em que botei um ovo e o dia em que me neguei a choca-lo. Não sei o que fazer com o ovo. Frito-o e o como porque a despensa está vazia.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Sou fogo (conto)


Estou nú em meu quarto. Encontro-me numa posição incômoda na cama, não sento, não deito, fumo um cigarro. Estou morrendo! Dou-me conta disso sem saber o porquê. Figurativa e literalmente perco minha vida aos poucos nesse instante. É como um processo, uma metamorfose sem mudanças. Sou um imago. Um mero estágio entre plena vida e morte plena. Transitório. De forma real e palpável morro. Cada segundo passado é um segundo gasto, morto. A todo momento meu corpo se esvai. Milhares de células são sentenciadas. É implacável. Não há outro caminho, a única possibilidade é se aproximar do fim cada vez mais. De forma lenta ou rapidamente todos os destinos convergem. Não é triste e nem assustador, é a natureza...

Morro porque quero morrer, porque me permito. Deixo cair, secar e apodrecer todas essas folhas. Já não servem de nada, estão como parasitas que impedem o funcionamento do organismo. Estão no chão, em queda, decompostas. Essa é a segunda morte, a psicológica. Aquela que ocorre com menos frequência e que poucos tem o privilégio de experimentar. Poucos porque é reduzido o número dos que ousam e dos que se conhecem e sabem o que precisam. Esses são escassos e os que escolhem morrer podem viver duas vezes.

Morrer é uma escolha! Não a morte biológica, a outra. Escolhe-se morrer quando é necessário, quando a opção de continuar vivendo é demasiado cruel e desumana. Mas morre-se apenas com um propósito: vida. A vida é impossível sem essa morte, sem o renascimento. Morro. Mas sou um pássaro mitológico, sou feito de cinza e fogo e vida e morte.

Sinto a ausência, o vazio (temporários). Dão lugar a uma nova presença, uma plenitude renovada, uma sensação de preenchimento. Morro somente para viver, porque essa vida já não presta. Ela pecisa acabar para que tenha início outra. Essa vida é como uma concha que ficou muito apertada para o molusco e este precisa fazer a muda, precisa continuar pois não há outra alternativa. Trata-se de instinto, de sobrevivência.

As cinzas se formam entre os dedos e a pequena chama é invisível a mim. Refletem-me: cinza e fogo. Agora sou cinza, já fui fogo e serei outra vez incandescente. Sou brasa, sinto o calor emanando, expurgando todos os tóxicos, exorcizando os demônios, do interior para fora. Matando. Dando vida. Agindo simplesmente. Sinto-me despertando, apesar de não ter dormido. Não dormi? Não fechei os olhos mas estava adormecido, estava num estado inativo, passivo. Agora acordo, abro os olhos pela primeira vez em muito tempo e vejo vida. Sinto calor entre meus dedos e é a chama, ela me desperta. Sou fogo, sou fonte de luz e chama. Tenho o corpo aquecido de excitação e fatigado pela catarse. Sou vivo e sou morto. O que morre em mim não é meu mais, não reconheço, foi consumido e deu lugar a outra coisa. Algo não descoberto, não explorado, novo!

Arremesso a guimba na chão e observo a pequena chama. Ela dança, comunica-se, cresce. Brinca com os trapos e mostra-se para mim. Reconheço-me. Sou fogo. E preencho o quarto, faço-me presente em cada parede, em cada móvel. Consumo o que se encontra e mato. E morro. E concedo vida. Ilumino com calor e aqueço com luz. Sou fogo.