Saudações aos viajantes, aqui quem fala é o argonauta do século XXI. Ao contrário dos meus companheiros gregos eu não sou um desbravador de oceanos ainda. Nesse blog eu vou navegar no espaço virtual e trazer os assuntos mais interessantes que encontrar; junto com essas "especiarias" vamos discutir temas da atualidade e ainda vou deixar um lugarzinho para publicar meus textos literários. Espero que curtam e visitem sempre.

terça-feira, 4 de março de 2008

O sangue de Bruna (conto)

Esse é um conto de suspense de minha autoria, é o primeiro conto que estou publicanto aqui e na minha outra página na internet num site de escritores. Essas publicações simultâneas vão acontecer muito, mas também terão textos que eu só colocarei aqui e outros que eu só colocarei lá espero que gostem e aviso logo que é perturbador.

O que eu posso dizer? Eu não lido bem com a rejeição...
Tudo começou no primeiro dia do meu terceiro ano no colégio. Eu achava que o Coração Imaculado, colégio tradicional da Tijuca, tinha dado tudo o que tinha para dar. Iria ser só mais um ano (o último) aturando os mesmos professores e alunos de sempre, já que tinha estudado naquele inferno durante toda a minha vida. Aquelas caras semimortas passando. Colegas de classe? Uma piada isso sim! Para mim eram todos gados, um rebanho imenso prontinho para o abate. O que eu não sabia na semana anterior à volta as aulas é que algo estaria diferente dessa vez.
Quando a vi a primeira vez não me chamou atenção sua beleza mediana, e até hoje não é o que mais me atrai. O que me fez observar atentamente essa menina foi a cena em si: O sinal tinha tocado e todos se encaminhavam para as salas, na mesma direção, mas ela estava atrasada e tentava andar no sentido contrário ao fluxo de estudantes. Ofegante, desarrumada e pedindo muitas desculpas ela abria caminho naquele mar de gente. “Nadando contra a corrente” eu pensei e um sorriso malandro, involuntário, correu nos meus lábios antes que pudesse contê-lo.
No recreio só podia pensar em vê-la novamente, mas ela era muito comum, se misturava fácil entre as outras meninas morenas do pátio. Fiquei todo o tempo procurando com os olhos sem prestar atenção na conversa de como haviam sido as férias de meus amigos. Sabia que ela era nova no colégio ou me lembraria dela, mas fora isso não sabia de nada e não queria sair perguntando por aí para saciar minha curiosidade (embora ela fosse muito grande).
Quando fui para casa naquele dia tinha muitas dúvidas. Nunca nenhuma garota tinha mexido comigo daquela maneira. Já tinha namorado antes (três vezes pra ser exato) e realmente achei que tinha me apaixonado por elas. Por que um momento tão curto, como foi aquela cena, pôde ficar tão marcado na minha memória? Eu quero dizer, ela não tinha nada especial, na verdade nem fazia meu tipo, mas mesmo assim só podia pensar nela.
No dia seguinte cheguei à escola cedo. Fiquei esperando no portão todos os alunos entrarem. Só queria encontra-la de novo, é claro, mas o sinal tocou e eu não vira nem sinal daquela menina. Depois descobri que se atrasava para tudo, não importava o que fosse.
Passei o dia todo aspirando um segundo encontro com ela e, como não ocorreu, continuei chegando cedo e repetindo o mesmo ritual de guardar o portão da escola. Começava a achar que tinha sido uma visão e estava pensando nessa hipótese enquanto vagava pelos corredores. Foi aí que a vi pela segunda vez: ela saia da sala sorrindo e olhando lá para dentro porque um colega seu de classe acabara de lhe dizer umas gracinhas à porta. Eu parei inesperadamente e fiquei observando como se tudo estivesse em câmera lenta, foi quando ela me viu. Dirigiu seu olhar a mim por um segundo, tempo suficiente para me analisar de cima a baixo e me deixar embaraçado, confesso. Depois andou depressa para o bebedouro em frente à porta e me observou mais uma vez antes de entrar na sala. Continuei meu caminho como se nada tivesse acontecido, mas não antes de olhar de soslaio para a porta e descobrir sua turma (1103).
Naquele mesmo dia fiz uma “visita” rápida a secretária e descobri tudo o que queria pela ficha dela. Seu nome era Bruna, tinha 16 anos e estava no primeiro ano. Tinha estudado em um colégio de Petrópolis, o que me fez concluir que havia se mudado para o Rio recentemente. Suas notas eram boas, medianas, como todo o resto a respeito dela na minha perspectiva. De resto seu histórico não tinha nada que me interessasse a não ser que ela havia quebrado a perna uma vez e ficou um tempo sem ir a escola. Guardei o seu documento de volta na gaveta e saí dali antes que alguém me pegasse, por sorte já estava familiarizado com a rotina da escola.
Nossa relação, ou a falta dela continuou a mesma por um bom tempo, exceto que sempre a via no corredor agora. Bruna tinha o mesmo espírito desafiador que eu, estávamos sempre matando aula quando nos víamos. O que me impressionava mesmo era o fato de estar sempre rodeada de amigos quase nunca a vi sozinha depois daquelas primeiras vezes. A maioria das vezes estava acompanhada de meninas, mas às vezes tinha garotos rodeando-a, avançando, próximos demais; não sei explicar o ciúme que sentia quando via essas cenas (uma vez alterei a nota de um menino que eu sempre via com ela por causa desse sentimento). Como fizera tantos amigos em tão pouco tempo? Eu era conhecido no colégio naturalmente, mas ela fez mais amigos em uma semana do que eu tinha feito nos meus quatro primeiros anos aqui. Era incrível! Me encantava!
Quando ouvi a sua voz foi mágico. Talvez não tão mágico assim pra falar a verdade. Estávamos no recreio, ela se separou das amigas e veio na minha direção, estava distraído e não notei sua aproximação até que ela abaixou-se ao meu lado e perguntou se tinha um chiclete. Na verdade havia um pacote na minha mão e ofereci a ela, Bruna pegou um e saiu tranqüilamente (Queria ter oferecido o que estava na minha boca). Quando ela estava abaixada sua saia de pregas deslizou um pouco em direção ao corpo e foi suficiente para notar suas coxas; que coxas maravilhosas, eram volumosas e brancas, mas não pálidas. Fiquei pensando nelas a noite toda nesse dia.
Depois de mais algum tempo passamos a ter mais contato. Não éramos amigos nem nada assim, mas trocávamos algumas palavras quando estávamos em um grupo de amigos em comum. Ela fingia não gostar de mim (dizia que eu era arrogante) e eu fingia que não me importava com isso. Sabe, nós dois somos bem temperamentais e ficaríamos nesse joguinho por muito tempo se não tivesse agido. Ela interpretava muito bem. Se não a conhecesse tão intimamente poderia jurar que não sentia nada por mim, mas eu conheço garotas como ela; sempre se fazem de difícil. Precisam é serem amaciadas um pouco antes de se entregarem.
Sempre pensava em Bruna antes de dormir. Não era assim tão bela, como já disse antes, mas me atraia muito. As outras garotas do colégio dobravam a saia para ficar mais curta e mostravam o máximo de decote que o uniforme permitia. No entanto Bruna nunca fez isso (esses pudores me faziam gostar ainda mais dela), mas era descuidada; sempre deixava as roupas desalinharem e mostrava um pouco mais de pele sem querer. O que era suficiente para alimentar minhas fantasias.
Numa época pus na cabeça que queria sentir seu cheiro, e um dia, no colégio, tive essa oportunidade. Estávamos na fila do bebedouro e, exceto por nós e o garoto que estava bebendo, não havia ninguém no corredor. Foi bem rápido e ela não notou nada. Ela estava a minha frente, bem perto, eu só fechei os olhos e inspirei profundamente. Nesse momento senti claramente. Era doce e agradável, um leve cheiro de pêssego. No mesmo dia saímos mais cedo e eu a segui até sua casa. Foi assim que descobri que morava na Haddock Lobo, em um prédio não tão longe da minha casa. Quando estava voltando resolvi passar na feira e comprei três pêssegos.
Já estava ficando enjoado de vê-la só na escola e poucas vezes, por isso decidi começar a freqüentar uma sorveteira perto do prédio dela. Felizmente quase todas as vezes que ia lá eu a via e, em algumas ocasiões, ela até entrava para tomar um sorvete (duas bolas: morango e baunilha). Sabia que Bruna só fazia isso para me seduzir e um dia ofereci-me para pagar o seu sorvete; ela olhou para mim muito séria, desviou o olhar e disse: “não, obrigada”. Sua resistência era formidável. Mesmo longe de olhares curiosos da escola ela fingia não ter interesse. Mas quando fui embora senti que ela me observava.
Todo ano o meu colégio promovia muitas festas. A primeira sempre era a comemoração da páscoa. Tínhamos discursos e apresentações no auditório e depois um baile no ginásio coberto. Havia chegado o dia da festa da páscoa esse ano e eu tinha planejado abordar Bruna nesse dia. Ela chegou atrasada, como eu sabia que chegaria, e sentou-se no fundo sozinha, como eu sabia que faria. Eu estrategicamente estava ali perto, e, quando ela sentou, eu fui para a cadeira ao seu lado de forma discreta.
_Oi._ eu disse
_Ah! Oi.
_Atrasada de novo né garota? Assim você vai acabar expulsa.
_É. (acho que ela não gostou do meu comentário porque fez uma cara feia nessa hora).
_Vai por mim, você não perdeu nada. Todo ano o diretor fala a mesma coisa: baboseiras sobre o colégio, sobre o ano letivo e, principalmente, sobre a magnífica biblioteca que nós temos.
_Que pena. Eu a-do-ro bibliotecas.
Ela só disse aquilo para implicar comigo, mas mesmo assim fiquei vermelho e um pouco ofendido. Claro que não ia desistir rápido assim, estava determinado, por isso continuei a conversa.
_Pra sua sorte ele ainda não chegou nessa parte.
_Que bom, não é mesmo?
_É, acho que sim. Sabe você não me parece ser do tipo que gosta de ler.
_Eu gosto de muitas coisas que você não sabe.
_Engraçado, eu também; coisas que você nem imagina.
_Isso prova os quão pouco nos conhecemos.
_Talvez você não saiba muito sobre mim, mas eu sei muitas coisas a seu respeito.
_Eu sei o suficiente sobre você, mas não posso dizer o mesmo de você.
_Porque não? Eu sei que você adora sorvete de baunilha com morango, também sei que veio de Petrópolis e sei que lá que você ganhou essa cicatriz._ disse eu tocando a perna dela no lugar onde estava a cicatriz.
_Isso não quer dizer que me conhece_ disse ela afastando-se.
_Talvez você precise se informar melhor sobre mim. Pode perguntar as garotas com quem eu já fiquei. Quem sabe sua amiga Karina ou a Júlia?
Depois desse comentário ela só me encarou, meio com raiva e meio surpresa, e eu cheguei bem perto do ouvido dela e disse:
_Mas, se você quer saber, esse ano eu estou mais calmo. Estou de olho em uma pessoa.
Eu me afastei e ela permaneceu olhando para frente. Assistimos ao resto do discurso em silêncio. O diretor falava sobre o seu maior orgulho:
_...Todo ano eu comento com vocês sobre a maior conquista de nosso colégio: a biblioteca Fernando Pessoa. Mais uma vez esse ano aumentamos nosso acervo; agora são mais de 65.000 livros e, como sempre, ela continua aberta à comunidade tijucana devidamente cadastrada. É claro que eu não posso deixar de mencionar a tecnologia de primeiro mundo que é empregada; temos uma lista computadorizada de todos os títulos que possuímos e um sistema que faz as estantes deslizarem automaticamente para dar acesso aos livros. Além disso, a sala que os guarda é mantida a uma temperatura adequada a preservação desse tesouro. E tudo isso, é claro, graças às generosas doações das famílias do bairro e ao apoio da prefeitura...
Depois dessas palavras a platéia aplaudiu muito e, após cerca de uma hora de discurso, dirigiu-se ao ginásio. Eu segui Bruna a uma certa distância e procurei ficar de olho nela durante o baile. Ela se divertia bastante e estava cercada de amigos (como sempre). Eu, por outro lado, não aproveitava nada, estava visivelmente incomodado com o evento. Aos poucos as luzes, a música e as pessoas me cansaram e fui para um lugar mais tranqüilo, perto da mesa de comida. Quando estava lá notei um casal meio escondido atrás da arquibancada e, para minha surpresa, reconheci as costas de Bruna. Aproximei-me furtivamente para olhar melhor e ela estava com um garoto; um de seus “amigos”. Fiquei desapontado. Saí o mais cedo que pude da festa.
Quando cheguei em casa não pude deixar de pensar: o que fez ela ficar com aquele garoto? Refiz essa pergunta na minha mente várias vezes. A primeira coisa que imaginei foi que ela havia feito aquilo para me colocar ciúme, mas isso estava fora de questão. Então, depois de muito indagar, concluí que ela não teve escolha. Ele a tinha forçado, usou o golpe do amigo querendo conversar. Que canalha! Só de pensar naquelas mãos sujas se aproveitando da minha garota. Ele tinha que pagar. E eu ia me vingar.
A festa tinha ocorrido no sábado e na primeira segunda que chegou eu decidi resolver esse problema; não queria planejar muito, então pensei em arrumar uma briga qualquer com ele e dar-lhe uma surra para aprender. Para sorte dele (e minha frustração) descobri que sua família tinha se mudado para São Paulo e havia sido muito recente; em uma semana organizaram tudo para partir porque o pai havia sido transferido para lá e ele aproveitou a festa para se despedir dos amigos.
Bruna passara toda a tarde bem triste e abatida. Primeiro tive pena dela e depois lembrei que poderia ser por causa de seu amiguinho fujão e fiquei com raiva. Será que ela teria me traído dessa forma? Se foi para me colocar ciúme fora uma péssima idéia. E quanto aos nossos momentos, não representaram nada? Essas perguntas rodopiavam na minha cabeça.
Resolvi confronta-la no final da aula. Fiquei esperando no portão de saída, mas ela não passava nunca. Então fui procurar na sala dela (talvez tivesse ficado de castigo). Eu não podia simplesmente abrir a porta e checar, por isso dei a volta no prédio e fiquei meio escondido observando a janela. Dava para ouvir claramente o que diziam lá dentro e logo percebi o motivo pelo qual ela não tinha ido embora. Eles estavam jogando verdade ou conseqüência. Alguém girou a caneta e caiu para a Bruna responder; quem perguntava era sua amiga Júlia.
_Verdade ou conseqüência?_ desafiou a menina.
_Verdade._ disse Bruna (eu podia jurar que diria conseqüência, mas me enganei).
_Tá bem, eu tenho reparado uma coisa que... Não sei se você notou, mas, agora é a hora perfeita para perguntar. Você já sabe que o Nicolas está interessado em você?
Eu não podia acreditar. Naquele momento o meu coração foi na boca. Como ela sabia disso? Eu estava sendo tão óbvio assim? E, o mais importante, o que ela responderia? Fiquei totalmente imóvel enquanto Bruna, ligeiramente embaraçada, estava prestes a responder.
_Sim eu já sei._ levei um choque com essa afirmação tão seca.
_E o que você acha disso?_ perguntou Júlia tirando as palavras da minha boca.
_Ahm, ahm. É só uma pergunta de cada vez._ disse Bruna para minha decepção.
O jogo continuou e giraram a caneta de novo. Ainda havia uma esperança. Se a caneta parasse na mesma posição ela teria que responder a inevitável pergunta; mas a física escolheu uma péssima hora para se vingar de mim por não gostar dela porque a caneta parou apontada para Bruna, só que ela perguntava e a Karina respondia.
_Verdade ou conseqüência?
_Verdade.
_É verdade que você já ficou com o Nicolas?
_Sim, claro, a Júlia também.
_Ei! A pergunta não era pra mim.
_Ih! Foi mal.
_Mas porque você quis saber disso Bru?
_Nada não, deixa pra lá.
_Hummmmmmmm..._ Karina e Júlia fizeram em coro.
_Ta legal, vamos continuar._ Cortou a menina enquanto girava a caneta. Dessa vez Júlia respondia e o meu amigo Vitor perguntava. Ele estava lá porque estava namorando uma garota da sala da Bruna.
_Verdade ou conseqüência?
_Verdade né.
_Júlia você que já teve uma história com meu amigo em questão, o que você diria para a Bruninha aqui?
_Bom, eu acho que eu diria: ele beija bem.
_Hummmmmmmmm..._ Todos em coro dessa vez.
_Aê Bruna._ Alguém comentou deixando-a muito vermelha.
Naquela hora eu me agradeci pelas minhas habilidades labiais (se é que me entendem). Depois dessas perguntas não houve mais nada interessante no jogo e, quando ele acabou, até esqueci de abordar Bruna sobre o sábado anterior. Em casa, mais tarde, não consegui parar de pensar nos fatos que aconteceram naquele dia. Na verdade estava muito feliz com tudo.
Estranhamente, durante a semana, Bruna ficou muito quieta e afastada; o oposto do que achei que seria seu comportamento. Talvez estivesse tentando se preservar, já que agora todos sabiam do nosso relacionamento e era inevitável que olhassem para nós quando estávamos próximos. O alvoroço era discreto, mas irritante; agora que meu interesse por ela se tornara público eu estava meio perdido; não sabia que rumo tomar a partir dali, embora não estivesse disposto a desistir dela tão fácil.
Sempre fui muito calculista e não agiria até bolar uma estratégia boa. Tudo estava me desfavorecendo, ainda não sabia o que fazer, mas tinha certeza que não podia ser no colégio e seria uma investida direta. Nada de enrolar dessa vez. Embora eu temesse a resposta dela iria terminar com isso de uma vez por todas.
Fazia um tempo que eu não podia deixar de ter sempre pêssegos frescos em casa, por isso quase todos os dias eu passava em uma quitanda para comprar alguns. O cheiro deles me acalmava e me fazia pensar nela. Era como uma droga, cada vez mais viciosa. Quando estava saindo de mais uma ida a quitanda eu vi; estava colado no poste, o folheto que me daria à oportunidade de ouro. Ele estava espalhado por todo o bairro e anunciava a estréia de uma matinê que prometia ser muito boa. No dia seguinte, no colégio, ninguém falava de outra coisa senão disso. Parecia que todos iriam, inclusive a Bruna. Com essas cartas na mão eu já sabia o que fazer; iria a estréia da matinê e, durante um momento oportuno da festa, iria falar com ela, falar tudo.
Todos estavam na expectativa para o dia da abertura, ninguém queria faltar e todos procuravam estar o melhor possível; compravam roupas novas (inclusive eu), as meninas se produziam no salão e o alvoroço era geral. Quando o dia chegou dava até para tocar a ansiedade dos alunos para a aula acabar. Ninguém demorou a chegar em casa pra se arrumar e foram mais rápidos ainda para chegar lá. Quando cheguei na porta já havia um bom movimento e foi difícil encontrar meus amigos. Procurei Bruna, mas ela estava atrasada; na verdade ela só chegou quando nós já tínhamos entrado. O som estava bombando (com certeza a casa tinha futuro) e todos se divertiam muito. Perto do fim da festa o ritmo foi diminuindo. Avistei Bruna ali perto e vi a oportunidade perfeita. Saí de perto dos meus amigos sem ninguém perceber e fui até ela. As amigas dela ainda estavam dançando e ela estava sentada um pouco distante. Eu me sentei do lado dela e falei perto do ouvido por causa do som.
_E aí, tudo bem?
_Tudo.
_Eu vim aqui te dizer uma coisa que, provavelmente, você já sabe, afinal todo mundo sabe.
_É mesmo? O que é?
_Eu não costumo dizer essas coisas para as garotas, mas com você foi diferente. Eu sinto uma coisa por você que não sei explicar; é estranho, nunca senti algo assim por alguém, eu acho... Acho que te amo.
_O quê?!
_Isso mesmo. Pode parecer exagerado ou falso, mas é verdade. É a única explicação que eu posso encontrar para o fato de não parar de pensar em você. Tem que ser isso. Então o que você me diz? Vamos assumir o nosso relacionamento junto?
_Mas, que relacionamento? A gente mal se conhece.
_Como assim?
_Olha, eu estou lisonjeada. Nenhum garoto falou isso pra mim até hoje e eu queria muito que desse certo, mas eu não sinto o mesmo por você. Desculpe, eu queria evitar isso.
_Como é que é garota? (ao dizer isso eu segurei o braço dela com mais força do que queria) Me desculpe._ disse eu soltando.
_Olha, eu não queria te deixar irritado.
_Sabe, isso nunca me aconteceu antes; nenhuma garota que eu quis me rejeitou e eu não gosto dessa sensação.
_O que garoto? Você é muito ridículo, se acha o tal, mas na verdade não está com essa bola toda. Agora me deixe em paz._ Dizendo isso ela levantou e foi andando em direção as amigas.
Eu estava paralisado observando ela se afastar. Foi a cena contrária a da primeira vez que a vi. Antes parecia que lutava contra a multidão para chegar perto de mim, só que agora era como se abrissem espaço para facilitar sua partida. Algo me acordou de repente, um garoto esbarrou nela. Eu me levantei muito alterado exigindo explicações ao folgado. O babaca desconversou e murmurou umas desculpas, mas eu não ia cair nessa; Dei logo um soco na cara para aprender, ele nem conseguiu reagir antes de eu investir de novo. Estava disposto a descontar toda minha raiva nele e só parei quando vieram uns seguranças e me seguraram. Bruna estava muito assustada (ela ainda ia ter o que merecia).
Fora o fato de eu ter sido banido do lugar não aconteceu nada de mais depois da confusão. Na segunda todos estavam comentando que a primeira briga na matinê tinha sido minha, mas ninguém soube o motivo real, embora inventassem muitas teorias. Não esqueceram de mim por quase uma semana. Só na sexta pude vagar pelos corredores sozinho como costumava fazer. Para minha surpresa vi (muito rápido, mas foi o suficiente) Bruna entrando no banheiro feminino. Não pensei nas conseqüências, só queria pegá-la. Olhei para os lados e não vi ninguém, então entrei no banheiro. Ela estava lavando o rosto e, quando ergueu o corpo e olhou para o espelho me viu através dele. Eu disse “Oi, Bruna” antes de avançar sobre ela e acertá-la com um soco que a fez bater a cabeça na pia e cair inconsciente. Agora ela era minha, finalmente...
Quando Bruna acordou ela já estava amarrada e amordaçada. A única coisa que fez foi olhar bem nos meus olhos. Estávamos na biblioteca, onde não era aberto ao público. Lá era escuro e muito grande. Ela estava sentada, encostada na parede entre as estantes mecanizadas. Eu comecei a falar porque agora ela só podia me ouvir.
_O que você acha de mim agora, heim, princesinha? Aposto que você queria ter dito que sim. Muitas delas aqui no colégio diriam. Era só eu pedir, mas não, eu estava me guardando pra você. Aliás, quem você pensa que é para me rejeitar? Não importa. Só agora que eu percebi que você não é tudo aquilo que eu pensei; na verdade você é só uma garota suja e usada que já passou na mão de muita gente. Tenho certeza que você sabe disso, por isso dói. Sabe, garota, você me traiu. Desprezou o nosso relacionamento tão especial. E depois de tudo que eu fiz por você. Tudo isso é culpa sua; você pediu pra receber esse tratamento. E eu vou te deixar aqui pensando um pouco sobre nós.
Assim que ouviu a última frase ela arregalou os olhos e tentou se debater inutilmente. Eu a deixei lá triunfante. Mais tarde, na hora do recreio, fui até a biblioteca de novo, dessa vez pelo balcão de visitantes. Chamei a bibliotecária que era minha amiga há muito tempo. Levei meu diskman com um cd de uma banda nova que disse para ela escutar enquanto ia pegar o meu livro. Coloquei no último volume para Sara ouvir e ela foi, inocentemente, até as prateleiras ao fundo e parou em frente aquela que estava o romance policial que eu queria. Ela ativou as engrenagens que abriam espaço entre as estantes que ela procurava e diminuíam o espaço onde estava Bruna. O máximo de barulho que poderia ser feito através da mordaça não seria escutado por Sara com os fones no ouvido, nem mesmo quando as estantes de ferro esmagassem o corpo de Bruna lentamente, só para que Sara pegasse um exemplar de “A bibliotecária assassina”, que ironia cruel, não é mesmo. Agora o coração imaculado não estava mais tão imaculado, estava sujo com o sangue de Bruna e ninguém jamais descobriria que tinha sido eu...

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